quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Conto: Nem tudo é o que parece

No dia a dia, é possível presenciar diversos momentos: beijos, abraços, brigas, pedidos de casamentos, términos ou até mesmo, descontração entre amigos. A parte difícil de tudo isso é saber se as situações são realmente o que aparentam.

Nina era desenhista e como qualquer estudante, treinava muito suas técnicas, diariamente. Tinha um cabelo cruto, no estilo joãozinho e de cor verde, grandes olhos azuis e usava óculos de grau, de armação quadrada e preta. Na maioria das vezes, usava lápis de olho preto, pois realçava seus olhos e combinava com a sua pele branca.

Todos os dias, no final da tarde, ela pegava sua mochila florida com botons nerds, colocava seu material de desenho e seguia em direção do Imperator, no Méier. Sentava num banco grande de madeira, próximo a bilheteria, de frente a cafeteria e longe o suficiente da bomboniere, que sempre cheirava a pipoca, uma das suas maiores perdições.
O horário era escolhido de forma estratégica, justamente por começar as sessões de cinema e mais tarde, as peças de teatro. O objetivo era desenhar o maior número de esboços possíveis, para ganhar agilidade e melhorar suas habilidades, além de poder observar as pessoas quando estão distraídas.

Ao voltar para casa, sua irmã mais velha, Miranda, era sua crítica pessoal. Ela também desenhava há mais tempo e trabalhava como arquiteta. Nina gostava da maneira que sua irmã fazia suas críticas. Nunca a colocava para baixo, era sempre um elogio acompanhado de dicas, mostrando onde ela podia melhorar e onde estava perfeito. Críticas construtivas.
Após avaliar os desenhos, Miranda começou a folear o bloco. Parou ao ver o desenho de um casal de mãos dadas e olhando, fixamente, um para o outro. Mostrou o desenho para Nina e disse:
- Que bonito casal apaixonado!
- Não é um casal apaixonado. Eles estavam terminando. Ficaram de mãos dadas por um momento e fixaram o olhar, um no outro, só Deus sabe o porquê, mas assim que ele foi embora, ela começou a chorar compulsivamente - disse Nina, enquanto se sentava na cama, ao lado da irmã.
O segundo desenho era de um senhor, cabisbaixo, sentado na cafeteira, sozinho.
- Um viúvo sentindo falta da sua esposa - arriscou Miranda.
Nina estava gostando daquele jogo.
- Não. Estava apenas esperando sua esposa. Assim que ela chegou, ele não parava de sorrir.
Miranda já estava ficando chateada. O terceiro desenho era de um rapaz segurando um buquê de flores.
- Rá! Esperando a namorada. Comemoração de namoro!
Nina caiu na gargalhada com a empolgação da irmã e assentiu, em confirmação, com a cabeça. O quarto desenho era de um grupo de amigos. Eles estavam sentados na cafeteria, mas foram desenhados de costas.
- Uma saída de amigos. Uma confraternização.
O quarto ficou em silêncio por um momento. Nina demorou a responder.
- Eu ouvi a conversa, por isso sei a história. Tinha mais uma menina no grupo, mas ela morreu tinha uma semana, na época em que fiz o desenho. Ela estava andando na calçada, quando foi atropelada por um motorista bêbado. Era a mais animada de todos e amava café, por isso a confraternização foi numa cafeteria. Eles estavam fazendo uma homenagem a ela.
Miranda encarou o desenho por mais tempo que gostaria, então falou tão baixo, que parecia mais um sussurro.
- Engraçado como a primeira impressão nos engana. Achamos que conhecemos as pessoas ou o que elas passam, mas não temos a menor ideia. Nem tudo é o que parece - fechou o bloco.












sábado, 6 de janeiro de 2018

O voo

Em novembro, fiz uma viagem a Foz do Iguaçu (assunto para um próximo post), com direito a uma conexão em Congonhas. Admito que tenho um pouco de medo de voar, sempre fico tensa, ansiosa, com dor de barriga e até mesmo sem fome. E detesto, principalmente, voar na chuva, por algo chamado: TURBULÊNCIA! Quando entro no avião, penso em todas as séries, filmes e vídeos de YouTube, que tenha quedas de avião, começando pelo filme Premonição.
Após esperar pelo meu voo por cinco horas, pude refletir um muito (e mais um pouco) e percebi que não tenho medo de voar ou morrer (caso o avião caia), tenho medo de ir embora e não fazer tudo que tenho vontade e planejado.
Planejo muitas coisas a longo prazo e faço listas, com metas, para manter o hábito e porque gosto, sempre aproveitando o momento, o agora, mas quando entro no avião, penso nas pessoas que amo e o quanto falo pouco isso para elas, o quanto ainda quero estudar, aprender, crescer, a viver, a conquistar, a família que quero construir, as viagens que ainda quero e vou fazer. Morrer não faz parte dos planos, pelo menos não agora. E refletir sobre isso me faz pensar ainda mais sobre: aproveite o agora, mesmo com um futuro inteiro planejado, porque o medo não é de morrer. É de deixar tudo o que amo para trás e perceber que poderia ter feito mais. Muito mais.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Contos: A quem possa interessar

Paraíso é uma cidade pequena, com alguns costumes, pequenas tradições e muitas lendas urbanas. Em torno da cidade, há uma floresta com trilhas que dão para partes da cidade, escondida em meio as árvores. Os moradores, em sua grande maioria, são nascidos e criados na cidade. Alguns chegam a partir, mas logo retornam. Os de fora, como são chamados aqueles que não eram nascidos em Paraíso, vêm aos poucos, porém quase nunca vão embora, ficam até o fim de suas vidas.

Toda manhã, Julia acorda as seis da manhã, toma banho, veste sua calça jeans desbotada e rasgada na altura dos joelhos, sua camisa de manga comprida preta, seu coturno preto, metodicamente amarrados e seu casaco felpudo vermelho. Coloca sua bolsa transpassada em diagonal ao corpo e segue pela Trilha dos Apaixonados. Reza a lenda, que os casais que passeavam por essa trilha e parassem, mesmo que por uns instantes, na Ponte do Eterno, o amor deles durariam para sempre. A trilha termina num lugar chamado Muro das Lamentações e é para onde Julia está indo.

É irônico o Muro das Lamentações ficar no final da Trilha dos Apaixonados, mas o Muro não era apenas para se lamentar. Lá você deixa cartas, entre uma pedra e outra, para que alguém leia. O intuito não era receber respostas, era apenas para expor seus sentimentos, fossem eles apaixonados, de felicidade, tristeza, desabafo e/ou despedida. As vezes, deixavam até desenhos. Ninguém sabe ao certo como surgiu esse costume, nem mesmo os antigos, como eram chamados os mais velhos da cidade. O Muro é feito com grandes rochas empilhadas e muito alto, denominando o limite da cidade. A sensação é que o muro não foi construído, apenas existe.  Fato curioso sobre o Muro é que mesmo com três cidades vizinhas, além dos moradores de Paraíso, deixarem cartas lá, ninguém nunca se encontrou. Nem pra deixar as cartas, nem quando vão buscá - las. Os antigos falam que o lugar é místico. Os jovens chamam apenas de coincidência.

Vinte minutos depois de passar pela Ponte do Eterno, Julia chega ao Muro. Recolhe as cartas de forma lenta e as coloca com cuidado em sua bolsa. Seu pequeno ritual de toda manhã é: tomar café lendo uma das cartas, escolhida de forma aleatória. E lê o restante, após as aulas, antes da lição de casa.
Nessa manhã não foi diferente. Ao retornar a sua casa, Julia pegou uma carta e no envelope dia: "A quem possa interessar", numa letra pequena e bem desenhada. Julia esperava que não fosse uma carta de despedida, porque geralmente, são cartas de pessoas suicidas e ir para escola depois de ler alguém dizer adeus ao mundo, não era nada motivador. Abriu o envelope e começou a ler.

"Você é do tipo de pessoa que quando vê um casal apaixonado na rua, se abraçando ou se beijando e fica feliz, mesmo que a sua vida amorosa esteja uma bosta? Bem, eu sim. Me chame de estranha, esquisita, mas prefiro romântica incurável. 
Uma vez deixei de acreditar no amor. Simplesmente achava que não era algo pra mim. Eu sou a pessoa que as outras pessoas costumam abandonar. Ou magoar. Ou mentir e magoar. 

Já fui casada uma vez. Era um casamento estável, com algumas brigas esporádicas, como em qualquer outro relacionamento. Meu (ex) marido não era perfeito, assim como eu ou como qualquer outra pessoa, mas na minha cabeça, tudo seguia feliz. Tudo bem, que eu estava passando por um momento difícil de depressão e pensamentos suicidas e meu marido? Estava dando atenção e ajudando a melhor amiga, que trabalhava com ele, na época, chefe do departamento. Chegava tarde, quase todos os dias e trabalhava em alguns feriados, para ajudá - la no novo cargo. 

Na semana em que mais brigamos, ele pediu separação. Alegou que não estava pronto para estar casado, que queria pensar na vida, nas decisões que tinha que tomar e que a vida de casado não era para ele, pelo menos, não naquele momento. Disse que ele estava errado, que não sabia o que estava fazendo, que não poderia apenas não se sentir pronto. Estávamos morando juntos há dois anos. Ele não quis saber. Eu insisti pra fazer dar certo, ele não quis. Como chorei, sofri, implorei pra voltar, até entender que era realmente o fim. Então, me isolei. Não estava bem, estava perdida, como nunca estive na vida. 
Não sei você, mas eu quando começo um relacionamento, sempre, eu disse sempre, planejo cada coisa, cada passo, inclusive o que fazer depois sem a pessoa amada, caso o relacionamento chegue ao fim. Com ele não fiz isso. Foi a primeira pessoa que quis tudo: casamento, casa gigante, filhos, cachorros. Não planejei caso desse errado, porque nunca imaginei que daria. 

Naquele ano, nada poderia ser feito, então planejei o que fazer para o próximo. Cursos, sair do emprego, estágio, arrumar emprego novo, colocar as leituras em dia, etc. Não que meu casamento me impedisse de  fazer todas essa coisas, mas de uma certa forma, a mulher se anula, mesmo que de forma involuntária. 

Quatro meses depois, meu (ex) marido pediu para voltar, mas eu não quis. Ainda estava muito magoada, não confiava mais nele. Não queria sofrer, não precisava mais sofrer. Estava no comando da minha vida e, de certa forma, amava aquela nova fase. 
Saí com outras pessoas. Algumas com significado, outras não. Saí com as amigas, fui a happy hour, bebedeiras, viagens, noites na Lapa e muitas, muitas bebedeiras. Até mandei mensagem bêbada para o ex. Não me julgue, você já fez isso. Se não fez, fará. Acredite. 
Fiquei com um cara, só nos beijos e depois de duas semanas, ele se revelou um grande babaca. Não que ele tenha dado em cima da minha melhor amiga ou algo assim, mas era o tipo de cara que vive de status de fodão e por isso, mentia compulsivamente. Oficialmente desisti. Me vi focada na minha profissão e casada com a mesma. Eu seria a tia legal que iria cuidar dos filhos das minhas amigas. 

Meses se passaram e fui apresentada a um rapaz. Dois anos mais novo que eu, tem os mesmos gostos que eu (de uma forma estranha e assustadora) e de uma personalidade ímpar. Apesar da timidez de ambos, conversamos por horas, em um bar que fomos apresentados e trocamos telefones. Passamos a conversar por mensagens, todos os dias. Deixamos claro nossas intenções, de irmos devagar. Ele concordou e entendeu, a forma que estava magoada. Saímos diversas vezes: cinemas, bares, restaurantes, baladinhas e tudo estava indo muito bem. Tão bem que eu estava apavorada com rumo de nossas vidas. O sentimento ia crescendo, mas eu não queria admitir, estava com medo de ser magoada de novo. Pensa numa pessoa que cria expectativas? Sou eu. Tenho até expectativas adolescentes, de tanto que crio. 

Saímos. Ficamos. 
De novo. 
De novo.
De novo. 
De novo. 
Me vi apaixonada. Ele também. Tive medo. Ele não. 
Mesmo com medo, me joguei no desconhecido. No novo relacionamento. 
Pulei, de olhos abertos e com medo, mas também me joguei com amor, paixão, felicidade e a melhor parte de todas, reciprocidade. Ele fez me sentir segura, como nunca me senti. Ele acha que sou capaz de tudo nessa vida. Tudo mesmo. 

Ele prometeu nunca me magoar, mas acho que ninguém tem real intenção de magoar quem ama. Acaba acontecendo. Porém, gosto das suas atitudes, que afirmam cada vez mais, que ele não tem intenção me machucar. 


Não sei quem está lendo essa carta, nem se chegou ao fim dela. Espero que sim. Tenho uma última coisa a dizer: confie na sua intuição. Se acha que algo vai dar errado, não faça. Se acha que alguém possa te magoar, mas mesmo assim quer tentar? Tente, mas mantenha os pés no chão. Siga a sua intuição, ela me ajudou muito, a sua pode te ajudar também."